João de Freitas Branco foi um dos intelectuais que marcaram o séc. XX em Portugal. Filho de Luís de Freitas Branco e sobrinho de Pedro de Freitas Branco, compositor, maestro e músicos de extrema importância no panorama musical português, estudou matemática integrando, depois de se licenciar em Ciências Matemáticas, o grupo de estudos de matemática de Rui Luís Gomes. Paralelamente frequentou e concluiu o curso do Conservatório Nacional de Música, participando em vários recitais. Sendo um bom instrumentista, provavelmente por não alcançar um grau de excepcionalidade que se impunha a si próprio na linhagem de seu pai e tio, músicos de craveira internacional, começou uma carreira de crítico e divulgador da música sinfónica, onde desenvolveu uma actividade paradigmática, ainda hoje não superada. Poderemos mesmo afirmar que será difícil de superar. Tornava acessíveis, fáceis de entender os mais altos conceitos estético-filosóficos. Isto num intelectual que tem obra publicada que, ao nível conceptual, se poderá equiparar a um seu contemporâneo europeu que também dedicou muita da sua obra à música, Theodor Adorno. Os seus programas «O Gosto pela Música», na Emissora Nacional, ensinaram a compreender a música sinfónica durante quase trinta anos. Verdadeiramente inesquecíveis foram as suas intervenções introduzindo a emissão pela RTP, cumprindo verdadeiramente serviço público, da tetralogia de Wagner, «O Ouro do Reno». Mesmo os mais conhecedores dessa saga operática, descobriram o que julgavam conhecer. A música, a estética e a filosofia imanentes da obra de Wagner foram analisadas com uma linguagem simples que não traiu a profundidade da obra. Essa era uma rara qualidade de João de Freitas Branco que, com a sua inconfundível voz, tornava claros e evidentes os conceitos mais complexos.
Atreva-se uma hipótese. Isso só era possível pela sua formação matemática que se cruzava com o seu profundo conhecimento da música, da filosofia e da estética. João Freitas Branco desmente Platão que, depois de reconhecer a incoercível influência da poesia sobre alma, exclui os poetas da república, por considerar o pensamento um logos e uma lei que tem por seu ponto principal a matemática, enquanto processo explícito do pensamento, uma língua de transparência em oposição à obscuridade da poesia. Substitua-se poesia por música, linguagem poética ainda mais hermética e perceba-se como João de Freitas Branco, matemático e músico, faz convergir esses dois pensamentos. Para ele a música, como a poesia, têm um programa de pensamento, são uma antecipação poderosa, em função de um som que dentro do outro som, geram um processo singular que tende para o infinito, para desvendar o futuro.
Platão bania o poema (a música) porque supunha que o pensamento poético (musical) como algo que não podia ser pensamento do pensamento útil. João de Freitas Branco ensina-nos que devemos ouvir e sentir a música que contém em si a singularidade de um pensamento pelo pensamento desse pensamento. De forma exemplar consegue expor a música, toda a história da música como um destino de todos nós. Foi isso que durante toda a sua vida nos ensinou, nos programas radiofónicos e televisivos. Foi por isso que quando, de 12970 a 1974, assumiu o cargo de director do Teatro São Carlos um enorme salto qualitativo foi dado, colocando a programação operática do São Carlos na primeira linha dos seus congéneres estrangeiros com um orçamento muito mais limitado. Foi também por isso que foi, em 1948, um dos fundadores da Juventude Musical Portuguesa, que rompeu com os estereótipos academizantes impostos pelo Estado Novo, trazendo uma lufada de modernidade à vida intelectual e musical portuguesa.
Homem de esquerda que nunca pactuou com socialismos na gaveta, amigo desse militar revolucionário que foi Vasco Gonçalves, João de Freitas Branco, entre 1974 e 1975 foi Director-Geral dos Assuntos Culturais e Secretário de Estado da Cultura e Educação Permanente. Em 1985 regressou ao Teatro Nacional de São Carlos como Administrador-Director Artístico e da Produção.
A intensa actividade intelectual que muito o notabilizou, de que são testemunho inúmeros prefácios de livros, livros e artigos em vários meios da comunicação social que continuam a ser de referência, os cursos de História da Música que regeu em Portugal e no estrangeiro, coexistia com uma imensa paixão pelo futebol tanto como espectador como praticante, sabendo-se que até ao fim da sua vida não dispensou a audição dos relatos telefónicos e pelo meio rural que o fez, já na fase final da sua vida, a estabelecer-se em Caxias.
Entre as numerosas distinções com que foi agraciado destaca-se o título de Doutor Honoris Causa em Filosofia pela Universidade Humboldt de Berlim a Medalha de Mérito da Secretaria de Estado da Cultura.
Como escreveu, Jorge Calado, melómano bem conhecido nos meios musicais nacionais, «João de Freitas Branco foi sem dúvida o grande educador musical dos portugueses».